Double - Consciência negra é celebrada hoje no Quilombo dos Palmares
Em entrevista exclusiva, presidente da Fundação Palmares fala da importância da data para a luta dos movimento negros
Hoje, 20 de novembro, o Dia Nacional da Consciência Negra é comemorado em um local muito especial, que justificou a escolha da data: o núcleo do antigo Quilombo dos Palmares, na Serra da Barriga, em Alagoas, onde Zumbi liderou a rebeldia preta na segunda metade do século 17.
A data foi escolhida para lembrar a morte de Zumbi dos Palmares, líder do maior quilombo da América Latina, que chegou a reunir 20 mil pessoas, espaço de resistência de escravizados durante mais de um século no período colonial, entre 1597 e 1704.
Neste ano, as comemorações no Parque Nacional Quilombo dos Palmares, no município de União de Palmares, a cerca de 80 quilômetros da capital, Maceió, incluem apresentações artísticas e a presença de representantes de órgãos vinculados ao setor cultural. Os eventos começaram na sexta e terminam hoje.
Como surgiu o Dia Nacional da Consciência Negra
Era 1971, Antônio Carlos Côrtes, Oliveira Silveira, Vilmar Nunes e Ilmo da Silva, jovens universitários de Porto Alegre e fundadores do Grupo Palmares, propuseram que o dia 20 de novembro, data da morte de Zumbi dos Palmares, fosse dedicado à luta do movimento negro.
Eles discordavam da celebração do 13 de maio, Dia da Abolição da Escravatura porque, apesar de simbolizar a assinatura da Lei Áurea, a suposta libertação dos escravizados não garantiu acesso à direitos como educação, emprego, saúde e moradia.
Nesse cenário, as manifestações públicas de movimentos negros em todo país ecoavam o slogan “O 13 de maio não é nosso dia”. A partir daí, a frase “se Palmares não vive mais, faremos Palmares de novo”, do poeta negro José Carlos Limeira, um chamado para resistir e se aquilombar.
Reconhecimento como patrimônio cultural
A região do Quilombo dos Palmares ganhou reconhecimento internacional em 2017, quando foi oficializada sua certificação como Patrimônio Cultural do Mercosul. O título só foi concedido a outros dois bens nacionais: a Ponte Internacional Barão de Mauá, entre as cidades de Jaguarão, brasileira, e Rio Branco, no Uruguai; e a região das Missões, que abrange Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Bolívia.
O tombamento internacional da Serra da Barriga para transformá-la em Patrimônio da Humanidade pela Unesco foi discutido durante encontro entre o presidente da Fundação Cultural Palmares, João Jorge Santos Rodrigues, e o prefeito de União dos Palmares, Areski Freitas, em agosto deste ano.
Brasileiro não gosta de feriado?
Apesar da data ser representativa em todo país, o 20 de novembro não é feriado nacional. Neste ano, seis estados assumiram sua importância: Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo.
No Rio Grande do Sul, onde surgiu a mobilização pela criação da data, a decisão cabe aos municípios. Ao todo, 1.260 cidades brasileiras terão recesso, que simboliza momento de reflexão e luta pela igualdade racial.
Pensando nisso, o Visão do Corre realizou entrevista exclusiva com João Jorge Rodrigues, 67 anos, Presidente da Fundação Cultural Palmares, advogado e mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília (UnB).
Qual o significado do 20 de novembro?
É a data magna da luta pela igualdade no Brasil. Simboliza o esforço dos brasileiros negros, mestiços, brancos e indígenas por políticas de combate à histórica desigualdade no país. É como se estivéssemos diante de um espelho refletindo para todos nós a imagem de Zumbi, de Dandara, de Acotirene, na República do Quilombo de Palmares. Trata-se de uma data nacionalmente importante para os 102 milhões de afro-brasileiros.
Qual a importância da celebração no histórico quilombo liderado por Zumbi?
Celebra as conquistas dos últimos vinte anos, tais como a lei de cotas, de educação antirracista e os feriados em seis estados, em mais de mil cidades. Essa data será para recomeçar a luta a partir de Alagoas, na Serra da Barriga, por novas políticas públicas efetivas para os campos da educação, trabalho, moradia, segurança, acesso à cultura e direitos humanos.
Os movimentos sociais têm denunciado casos de violência e assassinatos de lideranças negras, racismo religioso, falta de regularização fundiária das comunidades quilombolas e genocídio da juventude preta. Como a Fundação Cultural Palmares tem pautado esses temas?
Cabe à Fundação Palmares atuar como elo entre os vários ministérios e instituições. É o caso da necessidade da criação de cinturões de segurança em torno dos quilombos brasileiros, onde as pessoas estão ameaçadas de morte. Estamos voltados para garantir dignidade e atuar fortemente na aceleração de políticas para os quilombolas, para superar a paralisação dos últimos seis anos.
Como está a certificação e titulação para proteção dos territórios quilombolas, em particular do Quilombo dos Palmares?
Em 2023, a atual gestão da Fundação Palmares tema agilizado formalmente a expedição de certificados de reconhecimento de comunidades quilombolas, um passo importante para a titulação pelo INCRA. O um bom exemplo foi a certificação, agora em novembro, do quilombo do Mearim, no Ceará. A partir de hoje, 20 de novembro, novas comunidades serão certificadas e há um esforço conjunto para que o INCRA tenha condições, através de recursos, de agilizar a longa fila de espera dos títulos de posse. Contudo, a sociedade civil, governos municipais e estaduais, precisam participar do esforço cidadão de reconhecer e proteger essas comunidades, pelo que elas representam em relação ao meio ambiente, à cultura e à educação. São lugares de saberes e fontes inesgotáveis de conhecimento e ciência.
Quantos títulos a Fundação Palmares emitiu neste ano?
Emitiu 88 certidões de janeiro até novembro, beneficiando 106 comunidades quilombolas, e emitiu 2.989 certidões de reconhecimento. Há mais de seis mil comunidades quilombolas no país. Apesar desses números expressivos, faz-se necessário agilizar, em caráter de emergência, a certificação e a titulação.